sábado, março 12, 2005

O dia em que o Spirit ficou órfão...



        Até o dia de hoje, ele era a maior lenda viva dos quadrinhos. Neste dia ingrato, infelizmente, o mestre Will Eisner faleceu. O que falar sobre ele? Como modelar em palavras tudo o que esse artista representou para a arte sequencial?

        Mais que um pioneiro das onomatopéias e dos balões, como Lee e Kirby, Siegel e Shuster ou Finger e Kane, esse judeu de 87 anos praticamente criou um novo e envolvente segmento nos quadrinhos. Há mais de sessenta anos, quando os editore$ pediram-lhe que criasse um super-herói, gênero que estava em moda na época, Will Eisner torceu o nariz, mas resolveu aceitar o trabalho e, de quebra, sacanear os manda-chuvas editoriai$, fazendo o oposto do que eles queriam. Criou Denny Colt, um esperto e escorregadio detetive! Tá, mas e as roupas coloridas, capa e superpoderes? O fato é que o Jovem Will não queria escrever estórias sobre grandalhões fantasiados: queria escrever sobre pessoas; contos sobre gente comum, com vidas comuns, mas nem por isso essas estórias, passadas na época da grande depressão americana, eram desprovidas de emoção e interesse! Eram verdadeiras odes à humanidade e à sua estranha e paradoxal capacidade de fazer o bem com uma das mãos e o mal com a outra. Os editores, claro, chiaram à beça. Eisner - que já os desagradara suficientemente com seus quadrinhos sem qualquer vestígios de alienígenas, monstros, ou poderes vindos de acidentes inverossímeis - permitiu a concessão de desenhar uma pequena máscara sobre o rosto de seu personagem: assim nasceu o Spirit, ícone máximo da VERDADEIRA Era de Ouro dos quadrinhos. Com esse expediente, o então jovem Will enganou as editoras, fingindo que fazia estórias de um "super-herói" mascarado, mas, na verdade, estava fazendo outra coisa...

        Will Eisner criava ali toda uma nova linguagem gráfico-literária.

        O Spirit era apenas uma desculpa para que o artista escrevesse sobre o que queria. Um fio condutor para narrar os contos visuais de seu autor. Muitas vezes, o "herói" mal aparecia, ou então, apenas abria ou fechava "suas próprias" aventuras.


        Will não era apenas um estupendo desenhista, capaz de animar os rostos dos seus "homenzinhos" de nanquin com as mais marcantes e profundas emoções humanas: ele era também um escritor de rara sensibilidade; um homem à frente de sua era.

        O termo Graphic Novel, tão popular a partir dos anos 80, surgiu da mente fértil desse monstro sagrado da arte-seqüencial (outra de suas tiradas espetaculares). Ao telefone, na falta de um nome melhor para definir um de sus trabalhos, disparou: "O que estou preparando? Bem... é uma... Uma... Graphic Novel!!!"

        Will Eisner não vai deixar só saudades. Vai deixar uma prancheta vazia. Nela, bicos-de-penas órfãs jamais vão traçar novamente aquelas linhas imbuídas de vida... A fantástica vida de faz-de-conta que apenas o talento de um artista ímpar poderia gerar!

        Vá em paz, mestre...

        "Os portões dourados do Valhalla estão abertos. Lá, te esperam, com a pompa e a glória que mereces!"


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